quinta-feira, 27 de novembro de 2008

repetidos copos

tempos houveram em que apesar de não trabalhar, ia fazendo que trabalhava num café. não era empregado, era convicto cliente: quando o sítio estava vazio passava a noite a beber e a conversar com o dono e quando, por vezes, o estabelecimento apinhava, eu (invariavelmente) acabava por ir para trás do balcão. nessas noites, tudo o que bebesse era por conta da casa e eu era um tipo feliz. posteriormente descobri que o conceito de ordenado líquido é uma coisa (completamente) diferente.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

ensaiada tentativa de abordagem à surdez

[nota prévia: se li isto, foi porque o escrevi; senão o tivesse escrito dificilmente o teria lido]

num qualquer sítio de um lugar qualquer embora dentro de um contexto histórico específico que para a história nada interessa; um sujeito, que poderá ou não transformar-se na personagem central da história, perde a audição. assim, sem mais nem menos, está muito bem a ouvir smiths e no momento a seguir já não. tenta não entrar em pânico mas as pessoas que (por ele) vão passando parecem falar-lhe, ou pelo menos ele acha que lhe estão a dar os bons dias; opta por não responder e afasta-se. a câmara foca uma personagem que passa ao longe, e se não é, pelo menos parece a actriz surda da letra l. o sujeito enfia-se na wc, e apercebe-se de uma estranha nuvem amarela que lhe paira sobre os (seus) ouvidos (é claro que a cor foi escolhida ao acaso, o que não implica que uma qualquer psicóloga não visse nesta opção cromática uma clara alusão àquele tipo de cera que...ok, adiante).

acontecimentos dispersos parecem indicar que, entre isto e aquilo, outros começam a padecer do mesmo mal. pelas sucessivas imagens que se sucedem crê-se que a galopante nuvem amarela não irá parar e (que) em breve todos estarão surdos. a câmara, aparentemente sem rumo mas sempre a focar as súbitas surdezes e o desespero dos afectados, foca uma placa com as palavras conservatório de...e eis que a nuvem amarela impede a total leitura da placa. na verdade todo o ecrâ está amarelo e mediante uma daquelas rídiculas opções powerpointianas aparecem as palavras: a surdez ou o ensaio possível.

[a questão do estranho caso da surdez amarela se passar numa escola de música coloca, à partida (escrevo eu), duas questões fundamentais da sociedade actual (ou lá próxima): o desemprego (sejamos claros: Quem quer um professor de música surdo?) e a total desadequação dos alunos às matérias que se propõe a estudar (demasiado óbvio para bater na mesma tecla).]

o sujeito está em pânico. estudar numa escola música não era a sua opção mas o tio-avô, serralheiro de profissão e carpinteiro nas horas vagas, tinha deixado bem claro que não pagaria um curso de arquitectura. as palavras tinham sido claras: Meu rapaz, se não sabes chutar uma bola então aprende a tocar guitarra, olha que o teu avô não dura para sempre e os recibos verdes não são vida para ninguém. mas isso tinha sido à muito tempo e agora o sujeito, esquecido dos adolescentes projectos, estudava e vivia para a música e era da música que queria viver. o álbum da sua banda encontrava-se na fase-mesmo-final, qualquer coisa tipo pós-produção-de-remasterização-ou-coisa-que-valha (disso pouco percebo). e eis que o sujeito pára de entrar em pânico consigo próprio e passa a estar em pânico com o álbum. como poderá acompanhar o processo se nada consegue ouvir?

no meio do burburinho (não que eles saibam, mas tudo bem) uma rapariga com um magnifíco queixo quadrado passa pelo átrio da escola do mesmo modo que passaria num outro dia qualquer. o volume do seu mp3 está muito acima do aconselhado e percebe-se que ouve o romeo & juliet sem se perceber se é a cover dos the killers ou original dos dire straits. mesmo antes do refrão a rapariga do bonito queixo quadrado apercebe-se da estranha nuvem amarela; corre para a rua e, num quase-desespero que ainda não o é, olha à sua volta: ao ver que no entretanto não tinha sido inaugurada mais nenhuma loja dos chineses, fica (realmente) preocupada.

um grande plano, seguido de outros quaisquer planos e ei-la com o sujeito ao lado. ele a desesperar e a atabalhuadamente tentar explicar o que se passa e ela em pânico, sem conseguir baixar o volume do mp3. a situação prolonga-se além do limite do suportável e ela acaba por tirar os phones dos ouvidos e a aperceber-se da situação. num papel escreve-lhe que ela própria ouvirá a versão final do cd e que será o mais sincera possível. ele sorri e fica aliviado, na verdade acredita que isto da surdez é uma qualquer coisa passageira associada à greve dos professores.

outros planos, outras personagens, há gente sorridente à volta da teresa guilherme e da júlia pinheiro e pessoal que agradece aos céus sempre que se cruza com um dos carreiras. simbolicamente um conhecido locutor da rádio enforca-se nas cordas de um contrabaixo e vêem-se as faces de vários pianistas indignados (com semelhante opção).

ao ouvir a remasterização final do cd, a rapariga do lindo queixo quadrado apercebe-se que aquilo soa à versão natalícia do best off da celina dion. agora sim, está em pânico. como poderá dizê-lo ao seu melhor amigo (e devido a captação de alguns olhares, seu provavelmente segundo grande amor daquele ano lectivo e possivelmente do semestre seguinte).

aquilo depois dá uma série de voltas e piruetas, surgem outras personagens, aparece o braço direito do vilão, até porque o esquerdo teve de ir ali a um sítio; surgem cenas comoventes e outras que nem por sombras e a hora de ponta começa a assemelhar-se à convenção anual dos mimos rezingões. no futebol, os cartões por protestos são cada vez menos e, eventualmente, o cd será um sucesso.

lá para o final das quase duas horas de cenas passadas, já se vê o fundo de alguns baldes de pipocas e outras quantas espalhadas pelo cinema. no ecrâ, o sujeito ri, ouve o how do you sleep e sobrepõe a sua voz à música que o media player debita. e ouve a música e ouve-se a si. e sorri. e sorri mais um bocadinho. apetece-lhe rir (ainda) mais um bocadinho mas apercebe-se que está a ser filmado e avança em direcção à câmara. os seus lábios parecem perguntar se está alguém aí? mas na sala de cinema nada se ouve e os espectadores começam a entrar em pânico. talvez pelo medo de não se ouvirem, olham-se sem se falar. até que um se levanta e exclama: Só se eu lesse menos e não tivesse visto a estreia da semana passada é que isto me poderia parecer ligeiramente original. à volta as pessoas parecem com ele concordar e abandonam ou seus lugares rogando pragas e afins ao argumentista.

[nota não prévia: a banda sonora ainda está em aberto]

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

repetida tecla

não sei se me disseram, ou se (o) li num qualquer formato físico ou digital. apenas sei, que sem saber como, tomei conhecimento que um invisual escalou o monte evereste. pensei em postar qualquer coisa sobre a causa das motivações, e que (mesmo) desconhecendo-as (penso que neste caso não seria pelas vistas) mas achei melhor não; versar consecutivamente sobre o mesmo assunto seria bater no ceguinho.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

filmada prosa

por três vezes tentei ler um livro dele e se por duas vezes desisti à quinta, à tentativa terceira (lá) atingi a oitava página. julguei que (decididamente) não era para mim, e atirei-me, sem grandes expectativas, ao best-seller murakamiano. e gostei. pensei ler mais, mas no momento o todos os nomes era o que estava mais à mão e só o pousei depois de (o) ler. gostei; nada de outro mundo mas bom para o mundo em que habito. um woody allen e dois murakamis depois agarrei-me ao pluri-aconselhado ensaio sobre a cegueira. envolvi-me sem prévios avisos e quanto mais lia menos me apetecia parar de ler. de tal modo enolvido, cheguei a tentar continuar a leitura de olhos fechados, mas o que conceitualmente foi uma genial ideia na prática em nada me permitiu avançar. retomei a estratégia inicial, e de olhos (bem) abertos retomei a (compulsiva) leitura. à medida que as páginas por ler escasseavam, refreei o andamento no inglório esforço da mesma durar só-mais-um-bocadinho. no fim, gostei, e muito. funny games àparte, confesso que não sou, nem nunca fui cinéfilo nem frequentador de cinemas; embore aguarde (est)a estreia. só não percebo certas e determinadas associações de invisuais que condenam e rejeitam o filme. não me parece bonito criticar o que se não viu.